Pamalomide Zamberlan*
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de
esclarecer o conceito de loucura e inseri-lo no contexto judiciário. A partir
desse viés da loucura, introduzir o tema da inimputabilidade penal esclarecendo
seu conceito e sua relação com a loucura tentando assim vincular a psicologia
com o âmbito jurídico e as contribuições que a mesma oferece para o sistema
judiciário. Além disso, fazer uma reflexão crítica sobre os Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, nos quais os sujeitos inimputáveis são
internados.
PALAVRAS CHAVE: loucura, inimputabilidade penal,
insanidade mental.
Sabe-se
que o campo jurídico da psicologia já se inicia junto com esta, segundo França,
a partir de 1923 , com o início da psicologia experimental e mais precisamente
no ano de 1938 com os estudos sobre testes de Q.I. os psicólogos já prestavam
assessoria ao juiz de menor através do Laboratório de Biologia Infantil no qual
se realizavam testes de Q.I. para a avaliação dos menores.
Muitos
anos depois, com o Código de Menores de 1979, que não distingue uma criança
infratora de uma abandonada, os psicólogos começam a integrar as equipes do
juizado de menores em Porto Alegre. Assim a psicologia vai se inserindo no
contexto jurídico e a partir daí os psicólogos têm um amplo campo de trabalho.
No entanto o campo que nos interessa para essa discussão é a VEMPMA (Vara de
Execução de Penas e Medidas Alternativas), nesta o psicólogo integra equipe técnica que acompanha
processos de pessoas em medida de segurança, aquelas que cometeram delitos, mas
no entanto foram consideradas incapazes por de compreender a plenitude de seu
ato sob a alegação de insanidade mental. Estas por sua vez, podem ser separadas
do convívio social sendo internadas em manicômios judiciários ou então serem
submetidas a tratamento ambulatorial.
A
partir disso propõe-se uma reflexão sobre como essa questão é trabalhada pelos
psicólogos e como isso se dá na prática do direito penal, para assim
compreender melhor essa área da psicologia que vem consolidando seu campo de
atuação.
O QUE É LOUCURA?
Antes
de integrar a loucura no contexto penal e jurídico é imprescindível que se faça
uma discussão conceitual sobre a loucura para que a partir disso se possa
compreender como a questão da loucura é entendida e interpretada no sistema
jurídico e como o psicólogo está aí inserido.
Para
Brum (2002), a loucura é uma condição patológica que depende de vários fatores
como por exemplo os fatores biológicos, genéticos, psicológicos, culturais e
sociais. Mas para além disso ele ressalta que há um critério limite para que
uma pessoa seja considerada “mentalmente enferma” e esse critério seria a
presença ou ausência de juízo crítico.
Brum reafirma isso ao fazer uma citação de Birman (1991 p.31), que diz que “a
experiência da loucura é definida pela ruptura com um sistema de regras que
circunscreve a identidade social do indivíduo”.
Cabe
aqui, a partir desta afirmação, fazer uma crítica relevante a atuação do
psicólogo no judiciário e também dos demais integrantes da equipe técnica
responsável para emitir pareceres favoráveis ou não à medida de proteção por um
incidente de insanidade mental. Essa afirmativa de Birman considera a loucura
como uma ruptura com um sistema de regras, o que é válido para se pensar, no
entanto ao se reportar para o judiciário tudo que esta fora do sistema de
regras bem específico que são as leis constituídas como tais, são considerados
crimes, infrações passíveis de punições. A psicologia portanto não pode
considerar uma situação deste tipo como possíveis de medidas de proteção como
no caso aqui a insanidade mental, até porque a loucura vai muito além do
rompimento com algum sistema de regras que pode ser motivado por várias formas.
A LOUCURA E A INIMPUTABILIDADE
Pelbart (1989), faz uma consideração sobre o conceito de
loucura que convém citar aqui, ele diz, de certa forma, que o louco não tem
subjetividade verdadeiramente construída e que também não é portador de um
saber, e complementa assim dizendo que a loucura propriamente dita é a ruína
dos três componentes que nos constituem que é o saber, o poder e a
subjetividade. A partir disso pode-se pensar a questão da insanidade mental e
da inimputabilidade pois como diz o Código Penal Brasileiro no Art. 26, “É isento de pena o
agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”.
A partir deste artigo do Código Penal, Silva (2004),
descreve a imputabilidade como sendo a regra que deve ser aplicada a todos que
tenham a capacidade de poder julgar um ato cometido como ilícito, de entendê-lo
e quere-lo, todos os imputáveis são sujeitos a penalidades judiciárias, no
entanto a exceção a essa regra é a inimputabilidade que pode ser aplicada nos
casos de doença mental, desenvolvimento mental incompleto,
desenvolvimento mental retardado, embriaguez completa, dependência ou
intoxicação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou
psíquica.
Nesses casos citados a cima, quem é considerado inimputável
não pode ser penalizado pelo ato cometido, isso porque como pode ser entendido
no Art. 26 um sujeito
com algum tipo de doença mental que no momento de transgressão a uma lei se
encontrava num estado de incapacidade de compreensão do seu ato não pode
receber nenhuma pena, o indivíduo é. Com relação a isso Silva (2004),
acrescenta dizendo que nem todo o portador de alguma doença mental é
considerado inimputável, isso porque um sujeito portador de doença
mental, pode no momento da prática do fato ter capacidade intelectiva e
discernimento da ilegalidade de seu ato, nesse caso então ele deve ser
considerado imputável e receber a devida pena pelo seu crime.
Ainda segundo Silva (2004), a inimputabilidade de um acusado
é fornecida por um exame pericial, no qual psicólogos e psiquiatras são
solicitados para fazer uma avaliação e fornecer seus resultados para o juiz que
julgará o acusado. Isso acontece quando há alguma dúvida sobre a integridade
mental do réu, e nesses casos então o juiz ordena que seja feito um exame
pericial. Assim que há a confirmação da inimputabilidade do acusado este é
absolvido e se aplica a ela uma medida de segurança. Ressaltando que para o
Código Penal Brasileiro o critério utilizado para averiguação da
inimputabilidade é o sistema biopsicológico que leva em consideração a causa e
o efeito da situação do sujeito. Então, só é inimputável o sujeito que por
conseqüência de uma doença mental, não teve ou tem a capacidade de compreender
o caráter ilícito do crime que cometeu.
A preocupação e a inserção do psicólogo nessa questão vão
muito além de somente emitir um parecer que sugira a insanidade mental de um
acusado, isso porque, de acordo com Correia (2007), o modelo assistencial asilar, que ainda é muito
utilizado no mundo, para o tratamento das pessoas com transtornos mentais é o
de exclusão, tanto nos hospitais psiquiátricos para loucos não criminosos como
naqueles para loucos que cometeram alguma infração, onde a exclusão é ainda
mais incisiva. Isso porque a sociedade atual ainda tem a visão de que o louco é
uma ameaça à segurança pública e por isso eles devem ser recolhidos em asilos e
hospitais protegendo desta forma todo o resto da população.
Segundo
Correia (2007), os hospitais específicos para acolher os loucos que cometeram
algum tipo de infração foram instituídos no Brasil a partir da segunda década
do século XX recebendo o nome de manicômios judiciários. Mais tarde a
nomenclatura foi modificada e os manicômios judiciários passaram a ser chamados
de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP).
Ainda
segundo a autora (2007), o juiz, depois de observar e julgar o processo legal,
deve aplicar a medida de segurança, que tem um tempo indeterminado em
decorrência da situação considerada de periculosidade do indivíduo e deverá ser
cumprida ambulatorialmente ou, e mais comumente, num HCTP, sendo que o
internamento do indivíduo em tal instituição se destina ao tratamento
psiquiátrico. Desta forma, por ter a medida de segurança um tempo
indeterminada, ela surge como sendo uma pena de caráter aflitivo, isso porque o
fim da internação dependerá das avaliações da patologia do doente mental e isto
pode perpetuar a internação do sujeito e conseqüentemente sua restrição de ir e
vir.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Considerando
a loucura segundo Pelbart (1989), como sendo um desequilíbrio na ordem do
sujeito e nesse estado de desequilíbrio pode haver a transgressão de alguma lei
e isso por fim levá-lo a prestar contas á justiça por seu ato cometido de forma
não consciente, confirma-se a importância de uma medida de segurança para esses
sujeitos.
No entanto
como se pode perceber, a questão da inimputabilidade têm gerado muitas
discussões e as medidas de proteção aplicadas também têm sido questionadas
principalmente por profissionais preocupados com a saúde física e psíquica dos
sujeitos que são submetidos a internação. Dessa maneira a psicologia vem se
perguntando se realmente pode haver uma reincerção dos loucos infratores na
sociedade e em suas famílias com a internação destes num hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico já que este ainda funciona pela forma de exclusão e
segregação dos indivíduos e portanto isso também é visto como uma penalidade e
não como uma medida de proteção.
Cabe aos
profissionais da saúde e psicólogos questionar as práticas de internação e se
por vezes elas forem necessárias, possibilitar que este sujeito não fique
alienado da sociedade que o produziu e que sua medida de proteção não seja uma
perpetuação de uma pena o que é pior do que ser julgado como um cidadão
imputável pois este tem uma pena determinada a ser cumprida e o inimputável
não.
REFERÊNCIAS
BRUM, Ronaldo Moreira. Estudos sobre a loucura. Porto
Alegre: edições EST, 2002.
FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu
panorama no Brasil. Fonte: http://psicologiavirtual.com.br/psicologia/principal/conteúdo.
Acesso dia 09/09/08.
PELBART,
Peter Pál. Da Clausura do Fora ao Fora da Clausura: loucura e desrazão.
São Paulo: editora Brasiliense, 1989.
CORREIA, Ludmila C.
LIMA, Isabel M. S. O. ALVES, Vânia S. Direitos das pessoas com transtorno mental autoras de delitos. Cad. Saúde Pública vol.23 no.9 Rio de
Janeiro Sept. 2007 Fonte:http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S0102-311X2007000900002&script=sci_arttext&tlng=pt
acesso dia 05/09/08.
* Acadêmica
do curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões de Santo Ângelo. Artigo elaborado para a disciplina de psicologia
jurídica do 10º semestre. 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário